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A música Construção de Chico Buarque de Hollanda foi gravada no ano de 1971 para o elepê homônimo. A narrativa abordada na letra faz referência à rotina de um trabalhador da construção civil que assume alguma consciência diante do que vive, como o conhecimento da sua exploração e da manutenção necessária de sua condição para o capitalismo.

Letra de Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como ne fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Sobre a letra, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1998), pesquisadores da música brasileira, consideram que:
[…] Esta composição tem uma melodia repetitiva, desenvolvida apenas sobre dois acordes, e uma letra extraordinária, de qualidade rara numa canção popular. É a elegia para um operário morto no exercício da profissão e narra o seu último dia, da saída de casa para o trabalho (“Beijou sua mulher como se fosse a última”), até o momento da queda fatal (“E se
acabou no chão feito um pacote flácido”). Nessa letra moderna e requintada, o autor emprega ousados processos de construção poética, como por exemplo a alternância das proparoxítonas finais, “como se fossem as peças de um jogo num tabuleiro”, segundo o próprio Chico em entrevista concedida na época: “Dançou e gargalhou como se ouvisse música / e tropeçou no céu como se fosse um bêbado / (…) / Dançou e gargalhou como
se fosse o próximo / e tropeçou no céu como se ouvisse música …” […].
(SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 162)
Dessa forma, o operário retratado na letra, produzida estilisticamente em versos alexandrinos (de origem francesa, predominando nos versos da epopeia e da tragédia) é um autômato que é narrado comparativamente à sua edificação em seu último dia de vida, antes de morrer na contramão atrapalhando o trânsito / tráfego / o público / o sábado. As proparoxítonas dispostas ao final dos versos, movem-se semanticamente como a dar sentido à construção, em seus tijolos por tijolos, no fim de cada um de seus quarenta e um versos.
(…) exatamente doze sílabas poéticas, cuja acentuação rítmica recai sobre a sexta e a décima segunda sílaba dos versos, tornando-os, portanto, alexandrinos perfeitos.
MAGALHÃES, 2011, p. 1808
Vídeo da Música Construção de Chico Buarque
A música inicia com um despertar espreguiçado, com poucos e tímidos instrumentos. Dita-se tímidos no sentido de pouca evidência à sua dinâmica, especificamente em sua intensidade. Após a apresentação do tema musical, basicamente nos primeiros versos que irão se repetir sonoramente até o final, os instrumentos irão sendo acrescentados, assim como a exploração exacerbada de sua intensidade. Dessa forma, ergue-se na música os tijolos, as paredes sonoras, criando-se a atmosfera de acrescidas e cada vez mais intensas e dramáticas sonoridades.
Para citar este artigo, utilize Chico Buarque – Vida e obra de Chico Buarque de Hollanda Disponível em https://chicobuarquecom.wordpress.com/
Para a pesquisadora Miriam Bevilacqua Aguiar, a narrativa é construída em três grandes estrofes que sempre começam por um verso que se inicia com o verbo “amou” e terminam por outro verso que se inicia pelo verbo “morreu” e que contam a mesma trajetória do personagem, desde seu momento de amor derradeiro com a mulher até cair estatelado no meio da rua. Entretanto, o compositor imprime a cada estrofe, um sentido diferente justamente pelo jogo que faz com os adjetivos ou expressões adjetivadas. Os mesmos adjetivos mudam de lugar e qualificam substantivos diferentes em cada verso, como por exemplo, “seu passo” que no primeiro verso era “tímido” e no segundo verso era “bêbado”. Em seguida, “tímido” não mais será “seu passo”, mas “um pacote” que se estatelou na rua no segundo verso e assim por diante.
Referências
Dica de leitura sobre a música Construção de Chico Buarque
Entre a “Construção” de Chico Buarque e a “Bauwerk” de Wira Selanski: um caso de reprodução poético-musical. Autor: Tito Lívio Cruz Romão.
AGUIAR, Miriam Bevilacqua. Tempo e Artista: Chico Buarque, avaliador de nossa cotidianidade. Tese apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo como requisito para a obtenção do título de doutor em Letras, 2014.
MAGALHÃES, Marcela Ulhôa Borges. Poética e Semiótica: um estudo sobre a lírica de Chico Buarque. Estudos Linguísticos, São Paulo, 40 (3): p. 1804-
1813, set-dez 2011.
SEVERIANO, Jairo; HOMEM DE MELLO, Zuza. A canção no tempo. 85 anos de músicas brasileiras. Vol. 2: 1958-1985. São Paulo: Editora 34, 1998.