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Chico Buarque chamava o povo para ver e ouvir: “Vem ver de perto uma cidade a cantar/A evolução da liberdade/Até o dia clarear”. Havia a certeza de que a liberdade chegaria e os tempos escuros da ditadura teriam fim. E, justamente por congregar imagens tão contraditórias, poderia ser a loucura do sanatório posta na avenida, a qual, mesmo que não viesse a se realizar, deveria ser aproveitada enquanto alegria fugaz do carnaval.
Não resta dúvida de que era uma canção otimista, inclusive reforçada por sua melodia. O próprio Chico falou da esperança presente na canção:

Vendo o clip de “Vai Passar“, realmente parece a banda passando. Tem um parentesco. Algo a ver com este sentimento de esperança… Fala de um tempo novo, da esperança de que esta página infeliz da nossa história fosse virada.
O Jornalista Humberto Werneck recebeu de Chico duas fitas cassetes com
todo o registro da história dessa composição. Em entrevista a Geraldo Leite, da
Rádio Eldorado, em 1989, ele conta, emocionado, como foi ouvir essa
preciosidade:
Um dia eu cheguei na casa dele e ele falou: “Olha, tem uma coisa aqui que você vai gostar”. E me mostrou uma fita. E nessa fita ele está tentando dar uma forma final a um refrão do samba “Dr. Getúlio”, que ele tinha feito com o Edu Lobo pra peça de mesmo nome, do Ferreira Gullar e do Dias Gomes. Então você vai ouvindo aquele refrão, é ele cantando e tocando violão, e de repente você percebe: daquela música nasce uma outra. Feito um galho. Mas é um galho de uma outra árvore. Com uma emoção extraordinária, percebi que era o “Vai passar”. Que estava começando a nascer aquela coisa muito informe, aquela coisa meio fetal ainda, mas já se percebia a música ali. Foi uma experiência absolutamente emocionante pra mim. Você percebia que ele ia tocando aquele pedacinho de música, caía outra vez no refrão de “Dr. Getúlio”, voltava pra “Vai passar”, ainda sem letra, sem nada. Eu percebia que ele se acercava da música como se a música estivesse pronta fora dele e ele estivesse tentando pegar aquilo com a mão.
Chico Buarque de Hollanda sobre a composição Vai Passar

Essa história não terminou aí. O Chico explica a nova ideia:
Eu tinha até registrado o momento em que estava fazendo essa música. Eu estava terminando uma música com o Edu e comecei a ter a ideia desse samba. Comecei a ter a ideia musical e algumas pinceladas do que eu queria como letra. Foi na época daquela euforia das diretas. Eu imaginei que se podia fazer um samba composto a vinte mãos. Juntei lá em casa um dia uma porção de amigos e mostrei o samba do jeito que estava. A música não estava pronta. Tinha um problema, eu não conseguia chegar ao tom original. A música ia modulando, e eu não conseguia voltar. E foi o Francis que, no fim, virou meu parceiro e consertou a melodia. Aí começamos a cantar. É claro que foi uma bebedeira e não saiu letra nenhuma. Eu acabei chegando à conclusão de que a música só pode ser feita no máximo por duas pessoas. A não ser esses sambas de carnaval. Cada um começou a dar um palpite mas não saiu nada. Era uma ideia bonita. Fiquei depois um ano com ela parada e falava: “Um dia vou fazer”. Aí desisti. Acabei retomando um ano depois e terminei sozinho a letra.
Chico Buarque de Hollanda sobre a composição Vai Passar
Letra da Música Vai Passar
Chico Buarque e Francis Hime
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Documentário Vai Passar com Chico Buarque
Título Original: Chico Buarque – Vai Passar – Brasil 2005
Com: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, MPB4, Sergio Bardotti, Tom Jobim Diretor: Roberto de Oliveira.
Músicas do documentárioVai Passar
1- Vai Passar (Francis Hime / Chico Buarque)
2- Jorge Maravilha (Julinho da Adelaide)
3- Tanto Mar (Chico Buarque)
4- Como Se Fosse A Primavera (Pablo Milanês / Nicolas Guillén versão: Chico Buarque)
5- Risotto Nero (Chico Buarque / Sergio Bardotti)
6- Vai Levando (Caetano Veloso/ Chico Buarque)
7- Sabiá (Tom Jobim / Chico Buarque)
8- Cálice (Gilberto Gil / Chico Buarque)
9- Pelas Tabelas (Chico Buarque)
10- Brejo da Cruz (Chico Buarque)

Conforme salienta a pesquisadora Miriam Bevilacqua Aguiar, “Uma outra análise que não pode ser deixada de lado é associar Vai Passar com o movimento das Diretas Já, movimento que nasceu em 1983 e tomou corpo em 1984, mesmo ano de criação da canção. O movimento das Diretas Já provocou dezenas de comícios e passeatas por todo país, dos quais, alguns com a participação do próprio Chico, e culminou com a votação da emenda Dante de Oliveira para as eleições diretas derrotada na Câmara dos Deputados, graças a uma manobra dos políticos aliados do governo, que não compareceram à votação. Claro que existia entre a população a esperança de que a emenda “passasse” pela Câmara e Vai Passar se tornou um verdadeiro hino do movimento popular”.
Chico Buarque vai passando para o clima da Nova República
Chico Buarque em entrevista para o jornal O Globo em 04/02/1985

ao então candidato a prefeito
de São Paulo Fernando
Henrique Cardoso
Em 15 de janeiro, o Colégio Eleitoral escolhe Tancredo Neves como o novo presidente da República. Pela primeira vez após 21 anos, o país seria governado por um civil. Na noite anterior à posse, que seria em 15 de março, o presidente eleito é submetido a uma operação e morre 38 dias depois. A ditadura sai da história literalmente pela porta dos fundos, já que o general Figueiredo se recusou a transmitir a faixa presidencial ao
vice eleito, José Sarney.
Em maio, o Congresso aprova emenda constitucional legalizando os partidos comunistas e restabelecendo eleições diretas para prefeitos de capitais (ainda em 1985) e presidente (1988). Em junho, o Brasil restabelece relações diplomáticas com Cuba, interrompidas em 1964.
Para citar este artigo, utilize: CHICO BUARQUE. Música Vai Passar. Disponível em https://atomic-temporary-172776798.wpcomstaging.com/2022/06/12/musica-vai-passar/
Nas eleições para prefeito, Chico apoia os candidatos identificados com a luta democrática. Em São Paulo, chegou até a participar da gravação de “Vai ganhar” (uma paródia de “Vai passar”), de autoria de J. Petrolino, para a campanha derrotada de Fernando Henrique Cardoso (PMDB) contra o ex-presidente Jânio Quadros:
Vai ganhar
Fernando Henrique o voto popular
Cada paralelepípedo
na nossa cidade
a vitória vai
comemorar
Vai lembrar
Que aqui passaram muitos imortais
Tancredo Neves de Minas Gerais
E Teotônio e tantos outros mais
O povo
Que é o melhor juiz da nossa história
Vai homenagear sua memória
Tendo presente uma lição
Dormia
A nossa pátria-mãe tão distraída
Na madrugada em que foi traída
Pela renúncia do fujão
Seus filhos
Nunca votaram mais pra presidente
Pois veio um golpe com toda essa gente
Negociatas federais
E um dia afinal
Tancredo trouxe uma alegria geral
E a festa da democracia
Começa nessa capital
Praça da Sé na Catedral
(Vai voltar)
Aquela festa verde e amarela
Fernando Henrique sai na frente dela
Ninguém irá nos dispersar
Meu Deus vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
Na festa da democracia
Quem manda é o voto popular
É Fernando Henrique, olerê
É Fernando Henrique, olará
O voto feliz do PMDB vai ganhar
É Fernando Henrique, olerê
É Fernando Henrique, olará
O voto feliz do PMDB vai ganhar
Quase vinte anos depois de A Banda, uma das canções de maior sucesso da obra de Chico Buarque, Vai Passar (1984) era uma promessa de bons tempos que o compositor anunciava. Em ambas as canções havia a ideia de cortejo, de algo que passa alterando uma situação. No caso de A Banda, não importava quem fazia parte do desfile, mas as pessoas que o assistiam. Já em Vai Passar, a situação é justamente a oposta. Não importa quem está assistindo, mas quem desfila. As duas canções traçando um paralelo entre o tempo da ditadura e o da democracia, que se anunciava.
A canção e a história de Vai Passar de Chico buarque
A música Vai Passar é o tema do vídeo A Canção e a História do historiador Alan Cristhian. Em sua análise, Alan trabalha a leitura da música sob três períodos da história brasileira: o colonial, o do Brasil Império e o do Governo Ditatorial Civil-Militar:
(…) tudo isso em uma letra com melodia em samba-enredo, calhando com o ápice e final do movimento popular e democrático conhecido por “Diretas Já”, no ano de 1984. Acompanhem comigo essa viagem pela história brasileira contada pelo sensacional samba-enredo de letra de Chico Buarque, e arranjos de Francis Hime.
Alan Cristhian em sua análise de Vai Passar
Finalizamos com a análise do historiador Alan Cristhian em seu canal do Youtube. E hoje ficamos por aqui. Se quiser ler mais sobre a obra de Chico Buarque, acesse Chico Buarque Vida e Obra.
Referências
Homem, Wagner. Histórias de canções: Chico Buarque / Wagner Homem. São Paulo : Leya, 2009.
Aguiar, Miriam B. Tempo e Artista. Chico Buarque, avaliador de nossa cotidianidade. Tese defendida em 2014. Universidade de São Paulo, USP. São Paulo, 2014.